quinta-feira, 10 de janeiro de 2013


MARCADOS PELO DESTINO

(Notas para um romance de oitocentas páginas.
O grande livro que todos anseiam.)

(...)

Época: 1976. Observações a seguir.
Quando se anda na Alton Avenue, passa-se em frente do entreposto dos irmãos Costello, da oficina de reparações e da sala de bilhar de Higby. John Higby, o proprietário, é um homem entroncado, cabelos em desalinho, e que caiu de uma escada aos nove anos de idade e é preciso que seja prevenido com dois dias de antecedência para deixar de resmungar. Quando se olha para o norte, ou seja, para a «cidade alta» quando se está em Higby (a qual se encontra na parte baixa da cidade, apesar de na realidade a cidade se encontrar a meia altura), chega-se a um pequeno jardim público. É aqui que os citadinos vêm passear e conversar, e, apesar de não haver que temer roubos e violações, é-se frequentemente abordado por mendigos ou por indivíduos que dizem ter conhecido Júlio César. Estamos no Outono e uma brisa frescota («o último suspiro» como lhe chamam aqui, pois cada ano arranca um bom número de velhos aos correspondentes sapatos) arrasta as últimas folhas do Verão, que depois se apanham com a pá. É-se tocado por uma sensação quase existencial de absurdidade profunda - principalmente depois de terem fechado os institutos de massagens. Ressente-se o peso de um «outro modo» metafísico, que não se consegue explicar, inexplicável a não ser dizendo que nada se assemelha ao que se passa em Pittsburgh. A cidade em si mesma é uma metáfora, mas porquê? Não somente uma metáfora, mas uma imagem. É «Um qualquer sítio». É «agora». É «mais tarde». É todas as cidades da América, e nenhuma. Este estado de coisas provoca uma confusão nos carteiros. E o maior armazém local é o de Entwhistle.

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Woody Allen
"Efeitos Secundários"

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